As evoluções tecnológicas acabam por criar hábitos e vícios de consumo na sociedade que alimentam o crescimento das empresas que para se manterem necessitam de continuar a estimular os consumidores para que estes continuem a consumir. Acabamos por ser confrontados com soluções que nos permitem melhorias no nosso conforto, poupança de tempo, simplificação de tarefas, novas experiências de vida e melhoramento da nossa qualidade de vida que depois de habituados ou viciados já não prescindimos de tal coisa. Logicamente que tudo isto embrulhado em planos de marketing agressivo, coloca-nos num cenário de consumo no qual procuramos manter ou melhorar o nosso padrão de vida. Algumas destas melodias que apelam ao consumo são de tal maneira “cor-de-rosa” que acabamos por não questionar ou não querer acreditar nos eventuais perigos que daí possam ocorrer.
Ao longo da nossa história tivemos vários episódios que nos deveriam servir de exemplo mas parece que nunca são suficientes para despertarem a nossa desconfiança relativamente a determinadas inovações. Claro, porque se não há confiança nem optimismo tudo acaba por se reflectir numa baixa de consumo que afecta as respectivas empresas.
Em 1903 a Madame Curie recebeu o prémio Nobel da física pelo reconhecimento do seu trabalho na área da radiação. Um passo importante para a história sem dúvida, mas com impactos brutais para a saúde humana. Naquela época os efeitos maléficos da radiação para a saúde eram desconhecidos e face às propriedades dos materiais radioactivos, rapidamente surgiram oportunidades de negócio para empresas que exploravam a venda de produtos que cativavam as pessoas, tais como malas, sapatos pulseiras e outros objectos radioactivos que brilhavam no escuro, esteticistas usavam Raios-x para depilação facial das mulheres, dentistas seguravam as películas bombardeadas por Raio-x como se de uma televisão se tratasse , dermatologistas usavam Raios-X para combater o acne, as sapatarias tinham máquinas onde os clientes colocavam os pés calçados e podiam ver como os ossos do pé se ajustavam no sapato através de exposição prolongada ao Raio-X (estas máquinas funcionaram durante os anos 1930s, 1940s e 1950s, por curiosidade pode consultar o site http://www.orau.org/ptp/collection/shoefittingfluor/shoe.htm ). O próprio Thomas Edison perdeu o seu assistente, que teve uma morte horrível, vitima de excesso de demonstrações onde este permanecia numa caixa para que as pessoas pudessem ver o interior do seu corpo com recurso ao Raio-X.
Naquele tempo os profissionais diziam que tudo era seguro e que não havia razão para preocupações até as pessoas começarem a morrer de cancro por todos brincarem com a radiação.
Logicamente que isto parece bárbaro nos dias de hoje, mas passaram-se dezenas de anos até ao aparecimento de legislação para proteger as pessoas.
Em 1932 o Químico Paul Muller criou um insecticida com o nome DDT e que naquele tempo foi visto como um milagre porque era tóxico para uma grande variedade de insectos, apresentava pouca toxidade para os mamíferos, era persistente e daí não era necessário ser aplicado com frequência, não era solúvel em água pelo que não era lavado pelas águas das chuvas, tinha um custo de produção baixo e era de fácil aplicação.
O DDT era tão eficaz na destruição de pragas que era denominada A “bomba atómica” dos pesticidas. Devido ao forte contributo para crescimento da economia agrícola e aos seus baixos custos de produção, levou a que este acabasse por ser usado por todo o planeta. Em 1948 Paul Muller recebeu o prémio Nobel pela sua descoberta.
Só em 1960 é que uma Cientista Rachael Charson's, lançou um livro “Silent Spring” onde alertava para o risco de destruição massiça de alguns ecossistemas por excesso de pesticidas. Havia um conjunto de seres vivos como minhocas, peixes, pássaros e plantas que estavam a ser afectados pelos pesticidas, nomeadamente pelo DDT. Estes seres contaminados faziam parte da cadeia alimentar de outros seres que acabaram igualmente contaminados. Como o DDT era persistente, mantinha-se activo durante muito tempo aumentado o risco de assimilação por parte de outros organismos. O mais trágico é que os níveis de contaminação aumentavam exponencialmente à medida que se subia na cadeia alimentar, atingindo o topo da cadeia com uma concentração 10 milhões de vezes superior que no inicio da cadeia. Como resultado, algumas espécies de águias e pelicanos foram praticamente extintas. O Falcão peregrino foi completamente extinto em 1960s. O DDT também apareceu em tecidos gordos de focas e esquimós, indicando que ele aparecia longe dos locais onde era usado. Devido à sua durabilidade estava a ser transportado para longas distâncias pela atmosfera e era espalhado pelas chuvas. Muito preocupante foi também o facto de o leite materno aparecer contaminado com DDT, de tal forma, que se fosse leite de vaca não poderia ser exportado(Mais tarde provou-se que o DDT é o contaminante que mais se alastra ao leite materno) o índice de contaminação do leite materno era 10 a 20 vezes superior à contaminação detectada no leite de vaca.
Só em 1972 é que o DDT foi retirado do mercado americano. Mas o seu fabrico para exportação continuou até ao final dos anos 70s. Finalmente em Dezembro de 2000 é que 122 Países assinaram um tratado de extinção de Poluentes Orgânicos Persistentes, do qual faz parte o DDT (25 países em desenvolvimento incluíram no tratado excepções que lhes permitem continuar a usar o DDT).
A resolução de um problema pode de facto criar outros problemas.
O Tabaco tem uma longa história e aparentemente sempre acompanhou a humanidade e os interesses de muita gente por todo o mundo. Este texto é longo mas penso que merece a leitura.
É difícil apontar uma data de quando terá começado este flagelo, mas analisando a história encontram-se datas em que a preocupação quanto às consequências do tabaco já existia.
Em 1610 Sir Francis Bacon escrevia que o consumo de tabaco estava a aumentar e que constituía um vicio difícil de abandonar. Em 1761 o Físico John Hill publica o que aparentemente poderá ter sido o primeiro estudo clínico sobre as consequências do tabaco, ele referia que os inaladores de tabaco eram vulneráveis ao cancro no nariz. Em 1861 o tabaco fazia parte das rações dadas aos soldados durante a guerra civil, levando a que muitos tivessem a sua primeira experiência. Em 1862 os Estados Unidos criam um primeiro imposto sobre o tabaco para ajudar a guerra civil. Em 1880 proliferam as empresas de publicidade que se alimentam da publicidade ao consumo de tabaco. Em 1899 é publicada a primeira edição do “Merck Manual” (Manual/Enciclopédia de Medicina) que recomendava fumar tabaco para combater bronquites e asma. Em 1912 o Dr. Isaac Adler estabelece a primeira grande ligação entre o tabaco e cancro do Pulmão. Em 1914 o rácio de cancro no pulmão era de 0,6 por 100.000 pessoas nos Estados Unidos, só na Inglaterra tinham sido reportados 371 casos. Em 1918-1919 com a Primeira grande Guerra o tabaco era incluído nas rações e era visto como vital para a vitória - o general John J. Pershing escreveu “Perguntam-me o que preciso para ganharmos esta guerra e eu respondo que necessitamos de tanto tabaco como de balas” – uma geração inteira veio da guerra viciada em tabaco. Em 1925 o cancro do pulmão tinha um rácio de 1,7 em 100.000 pessoas (nos EUA). Em 1928 um cientista alemão publica um estudo onde afirma que o cancro no pulmão de mulheres não fumadoras poderá estar relacionado com o facto do marido ser fumador. Em 1929 Fritz Lickint publica o primeiro estudo formal com base com evidencias estatísticas onde afirma que os doentes de cancro do Pulmão tem uma elevada incidência na classe fumadora e afirma também que o tabaco explica o facto dos homens sofrerem desta doença 4 ou 5 vezes mais do que as mulheres (elas fumavam muito menos). Em 1930 o cancro do Pulmão tinha um rácio de 3,8 em 100.000 pessoas (nos EUA) e em Inglaterra havia 2,357 casos reportados. Em 1930 as taxas federais nos EUA eram superiores a 500 milhões de dólares e 80% provinha do tabaco. Em 1937 algumas empresas de tabaco gastavam cada uma pelo menos 2 milhões de dólares só em publicidade apenas no primeiro semestre. De 1939 a 1945 o tabaco é mais uma vez incluído nas rações dos soldados e as empresas de tabaco ofereciam-no de borla. No final da guerra o volume da venda de tabaco nunca esteve tão elevado. Em 1948 o cancro do pulmão tinha crescido 5 vezes mais do que os outros cancros desde 1938. Em 1950 três grandes estudo epidemiológicos estabelecem a primeira grande ligação do tabaco e do Cancro no pulmão. Em 1951 os consumidores gastavam 3 a 5% dos seus rendimentos em tabaco. Em 1952 alguns anúncios cativavam os consumidores com frases como “Nenhum outro cigarro atinge um grau tão elevado de satisfação e protecção para a nossa saúde”, ou “O que os médicos receitam”, ou ainda “Há cada vez mais médicos a fumarem Camel do que qualquer outra marca”. Em 1954 dá-se o primeiro processo contra uma empresa de tabaco. Em 1956 o cancro do Pulmão tinha um rácio de 31,0 em 100.000 pessoas (nos EUA). Em 1966 o Japão atinge o pico do consumo, 49,4 % dos adultos e 83,7% dos homens são fumadores. Em 1966 começaram a aparecer os primeiros maços de tabaco a alertar para o perigo para a saúde. Em 1968 o tabaco é pela primeira vez patrocinador das corridas de fórmula Um...
Muito mais há para escrever até aos dias de hoje (caso queira conhecer a história do tabaco ao longo do tempo, recomendo o site http://www.tobacco.org/History/Tobacco_History.html), com o tempo as campanhas de sensibilização foram ganhando força e hoje pelo menos as pessoas sabem que o tabaco ao contrário do que se dizia, faz mal à saúde.
Olhando para esta “doença” consentida que se arrastou séculos, podemos dizer que o tabaco foi sem sombra de dúvida um exemplo onde os interesses económicos se sobrepuseram à vida humana.
Os medicamentos sempre fizerem parte da humanidade, tendo evoluído dos produtos naturais, que ainda hoje são usados mas não comparticipados pelo Estado (seria necessário criar um blog para debater esta temática) até chegar àqueles produzidos pelas grandes empresas farmacêuticas que os produzem à base de químicos e que fazem parte do nosso sistema de saúde.
Já todos nos habituamos a ler as instruções de um medicamento e a consentir que apesar de uma enorme lista de contra-indicações, se alguém nos receitou aquele medicamento é porque toda a cadeia de pessoas que participou na sua pesquisa, avaliação, fiscalização e certificação, respeitaram todas as normas da comunidade farmacêutica e o médico não nos iria receitar nada que fosse contra a nossa saúde.
No entanto, nos últimos anos temos vindo a assistir cada vez com mais frequência a acções de remoção de medicamentos do mercado por conterem substâncias nocivas para a saúde pública.
Como é que podemos ter a certeza de que de facto, um medicamento é seguro? Certamente que depois de todos os testes de aceitação, será o histórico dos doentes que o usarem que determinará se este produto é de facto seguro. Acabamos todos por ser cobaias sem o querermos.
Hoje temos muito mais informação que há uns anos atrás, mas temos também uma sociedade mais fechada e defensora dos seus interesses. Uma vez mais somos confrontados com uma moda que ninguém quer prescindir. As vozes que se levantam contra a radiação das antenas são muitas e as provas também existem. Será que vale a pena o risco que todos corremos com a exposição por proximidade a estas antenas? Porquê facilitar a colocação de antenas junto de escolas e habitações? De quem será a responsabilidade dos danos causados quando daqui a uns anos alguém proibir a instalação de antenas de Telemóvel perto das habitações por questões de saúde pública? Não estaremos nós a criar mais um episódio amargo na história da humanidade que servirá de campo de batalha para advogados? Concordo com a evolução tecnológica, mas se disserem que a evolução tem um preço, não me digam que os valores e os interesses materiais são mais importantes do que a vida humana. Não somos ratos de laboratório para que daqui a uns anos possamos saber se a longa exposição a radiações das antenas nos foi ou não prejudicial.
Você pode decidir.
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